domingo, 8 de maio de 2011

Le nouvel esprit révolutionnaire

A galera reunida na escadaria de l'Opéra da Bastille em defesa da descriminalização da maconha

Paris, 7 maio 2011. Depois de um desencontro com Bia Caiado no l'Opéra da Bastille, vim para o Café de l’Industrie, onde escrevo estas linhas. Tant pis. Enquanto esperava por ela, me vi no coração da manifestação mundial a favor da descriminalização da Cannabis. Havia várias tribos, desde adolescentes punks, com piercings em lugares improváveis e tattoos de significado obscuro, a coroas ripongas, que me lembravam o Gabeira. Também estavam lá manifestantes de vários organizações de esquerda, panfletando suas mensagens emancipadoras. Gays, rastafáris, blacks e até mesmo franceses convencionais, seja lá o que isso significa.

Fez um sol tão magnífico, que cheguei a sentir o cheiro de maresia, ficando com a impressão de que se dobrasse a esquina da Faubourg Saint-Antoine, chegaria à praia de Ipanema. Não que eu seja um freqüentador assíduo quando estou no Rio. Normalmente tenho muita preguiça para chegar ao mar, mas o fato de saber que ele está lá, ao alcance da minha vontade, me tranqüiliza o espírito. Aqui, no máximo, é o rio Sena, que o pessoal do 5 x UPP batizou de “valão”. Na Place d’Italie (que é uma espécie de Copacabana) estou do lado gauche do “valão”, muito aquém do mar carioca. Por isso, o sol na Bastille me trouxe o cheiro de maresia, turbinado por uma saudade difusa e primitiva, quase inconsciente.

A manifestação, que não recebeu autorização da polícia, teve um tour de bicicleta pela cidade

Entre os vários grupos que panfletavam na marcha pela maconha, um deles, chamado Libéraux de Gauche (mais informações no site www.libgauche.fr) , critica o dirigismo e o estatismo do marxismo clássico, visto por eles como um desvio ideológico em relação à verdadeira noção de “esquerda”, um movimento voltado à emancipação do homem e da mulher. Isso me fez pensar no livro de Boltanski e Chiapello, e a análise sociológica que fazem disso que eles denominam o novo espírito do capitalismo.

O estágio atual do capitalismo, caracterizado pelo neoliberalismo e a globalização, dizem os autores, gerou uma situação paradoxal, em que as empresas e bancos vão muito bem, apesar da crise, e as pessoas, nem tanto. Eles afirmam, ademais, que apesar desse desenvolvimento perverso do ponto de vista humanista, a crítica acadêmica e filosófica, assim como das organizações políticas de esquerda, não produziram uma análise consistente desse fenômeno, que pudesse gerar uma crítica e um programa de resistência ou uma alternativa.

Sábado de sol, perfeito para um protesto de bicicleta, já que não há praia por aqui

Não sei nada sobre esse movimento Libéraux de Gauche, que tem certamente um matiz anarquista. Mas acho muito interessante, como fenômeno social, que tenham surgido nos últimos anos uma miríade de organizações políticas à esquerda, para confrontar o capitalismo neoliberal. Elas trazem como bandeira não apenas a emancipação da classe trabalhadora, mas defendem uma idéia de liberdade e hedonismo, na qual se encaixa muito bem a descriminalização da maconha, direitos civis para gays, luta contra o racismo e discriminações sociais. Me lembrei de um jornalzinho trotkista, dos anos 80, chamado Luta & Prazer, que seguia nessa linha mais ampla de luta. Um outro mundo é possível.

O Café de l'Industrie, meu refúgio, quando estou pela Bastille

Muitos dos bobôs que chegam a Botafogo e ao Marché d’Aligre têm essa mentalidade de esquerda, o que torna o processo de gentrification, a partir de sua presença no bairro, um tanto paradoxal. Bem, em Botafogo, há um processo mais explícito de aburguesamento, com os novos condomínios exclusivos e que se isolam da rua. Aqui, os novos moradores — intelectuais, profissionais liberais, artistas, entre outros —, vêm para a região d’Aligre em busca de uma vida mais “autêntica”, algo que se enquadra muito bem na ampla lista de reivindicações da “nova esquerda”. Mas seus hábitos continuam sendo o de uma classe média instruída e com poder aquisitivo razoável. Por meio, sobretudo, do consumo, atraem novos serviços e produção de bens, pressionam os preços da habitação e, sem querer, acabam fagocitando a região, que se transforma definitivamente.

A garçonete do l'Industrie e suas curvas revolucionárias

Bem, enquanto vou refletindo sobre isso, neste sábado de sol e calor parisiense, eis que a garçonete do l’Industrie chega com meu confit de canard, meu prato predileto neste café. Sorvo minha Leffe e observo os movimentos graciosos da serveuse, que anda para lá e para cá, numa coreografia sensual e simpática, desfrutando de seu vestido de verão parisiense (hoje fez mais calor aqui do que no Rio). Seja qual for o sentido de mudança política, em nome de uma justiça social e um humanismo mais solidário, é essa menina, no fim das contas, que desperta o meu mais profundo e íntimo sentido revolucionário. À bientôt!

Nenhum comentário:

Postar um comentário