Paris, 25 maio 2011. Desaparecido dessas páginas (páginas?), retorno com um breve resumo dos últimos dias, que não tiveram o esplendor dos demais, uma vez já estou completamente “naturalizado” nessa aldeia jacobina. Ontem, me mudei de volta para a casa de Marta & Ruben, depois de dois meses na casa de uma cantora brasileira, cujo nome vou omitir. Foi um período interessante e simultaneamente difícil. Interessante porque me permitiu perambular pela área da Place d’Italie, que me pareceu uma imensa Praça Serzedelo Correia (a nossa Praça dos Paraíbas) em formato de estrela. Ou seja, é uma mistura riquíssima de gente de tudo quanto é etnia, classe social, crença, cultura e nacionalidade. O pessoal mais endinheirado freqüenta os cafés, os restaurantes e o Shopping Italie 2, e a turma proletária, o McDonald’s e o KFC.
Mas, próximo dali, na já tão comentada neste diário de campo rue de Buttes-aux-Cailles, consigo beber uma pint cremosa por apenas 3 euros, se for antes das 20h. Isso no La folie en tête, meu boteco do coração naquelas imediações. Não se vêem muitos bobôs pela região da Place d’Italie e isso reforça, em mim, a sensação de Copacabana. Há nitidamente uma decadência e os grupos sociais que vivem no bairro me parecem muito bem assentados por lá. Mesmo na Butte-aux-Cailles, rua de azaração e boemia, é mais um tipo de boêmio que eu não classificaria como bobô, seja lá o que isso signifique. No La Folie, por exemplo, vejo sempre a mesma galera de habitués, muitos deles motociclistas, com sua jaquetas pretas à la Hell’s Angels e um ar de Les Loubards. Mas não vejo muitos bobôs, como no bairro d’Aligre. E isso é uma coisa interessante: o Penty é um pé-sujo se comparado ao La Folie, que tem uma ambiência rock’n’roll, mas o primeiro atrai mais bobôs que o segundo, devido à sua localização.
Porém, além dessas considerações sobre o bairro em si, estar na casa de uma cantora brasileira que fez muito sucesso aqui nos anos 70-80, lotando o Olympia de Paris e hoje amarga um esquecimento cruel, que praticamente implora por uma guigue em bistrôts obscuros, é duro. Sobretudo porque o apartamento, um conjunto do tipo BNH (que aqui é batizado com a sigla HLM) obrigava o uso compartilhado do banheiro e da cozinha, eu acabava meio que obrigado a interagir com ela e a compartilhar seu processo depressivo, expresso pelos cigarros fumados um após o outro, na cama, diante da TV, sintonizada naqueles programas de auditório franceses extremamente cafonas ou em seriados americanos, com Law & Order, dublados em francês.
Assim, dormir nessa casa trazia um certo peso para mim. De modo que, mal acordava, tomava banho e me mandava, muitas vezes, antes de minha anfitriã acordar. E só voltava no fim do dia, início da madrugada, quando a encontrava acordada, fumando e vendo TV. Para ela, eu acho, fui uma espécie de fantasma, que, de vez em quando, aparecia para assombrar. Isso tudo é o preço de não ter me organizado suficientemente cedo com relação à hospedagem. Paris é uma cidade com uma grande crise habitacional, por falta de moradia disponível. É impossível alugar qualquer coisa por mês. Só há imóvel no esquema de temporada para turista, quando cobram uma fortuna por semana. Eu paguei 450 euros por mês e todos me disseram que foi caro, mas não encontrei qualquer alternativa.
Bem, mas já era. Agora volto a perturbar Marta, Ruben e Lorenzo por mais um mês, antes de voltar para o Brasil. Aqui, além da companhia maravilhosa, estou à côte da Place d’Aligre, o que me permite ir a pé ao meu terrain de pesquisa. Na próxima semana, me mudo para a casa de um sociólogo, que vai viajar por uma semana e deixou o apartamento dele comigo. Aproveito para receber uma amiga que chega do Brasil.
Quanto à pesquisa, as coisas avançam no ritmo de uma etnografia, ou seja, no ritmo do dia-a-dia. Observar o cotidiano é uma tarefa que exige paciência e sensibilidade. Algo muito distinto do jornalismo, que está sempre em busca de algo extraordinário, a maioria das vezes apressadamente. Mesmo assim, com o tempo muito escasso, consegui reunir bastante dados, inclusive fotográficos e, com o Ruben, estou fazendo um registro em vídeo da pesquisa. Ainda faltam algumas imagens, entrevistas e, principalmente, muita leitura sobre o tema da gentrification. Mas, o texto da monografia, que recupera meu campo em Botafogo para fazer uma comparação com o bairro d’Aligre, já está sendo produzido.
E hoje, para não perder a mania, vi quatro documentários etnográficos sobre rituais de identidade, iniciação e purificação (Madagascar, Cuba, e dois da Costa do Marfim), a convite de Brice. Paris fez quase 30 graus, o céu estava insuportavelmente azul (que vontade de ir à praia) e a luz, cristalina À bientôt!
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