quarta-feira, 20 de abril de 2011

Flanando com Benjamin

Escada rolante à saída do metrô: uma raridade em Paris...

Paris, 20 abril 2011. Hoje está fazendo uns 30 graus e o céu é insuportavelmente azul. Se houvesse um pouco mais de umidade, eu poderia fechar os olhos e pensar que estava em algum canto tropical, na periferia do Ocidente, como diria Geraldinho Carneiro. Mas Paris é uma cidade seca, não tão seca como Brasília na estiagem, mas o suficiente para esquentar com qualquer raio de sol que se insinue entre os blocos haussmanniens. Pela primeira vez desde que cheguei aqui, saí só de camiseta, sem qualquer casaco ou pullover. Não tem jeito, o calor empresta uma leveza à vida.

Por determinação de Giovanna Deltry, que é minha orientadora pelo lado da literatura, comprei um livro do Walter Benjamin, que traz seus escritos sobre Paris e sua produção reflexiva e literária nos últimos anos de sua vida, antes do suicídio. Uma edição de bolso (uns 8 euros) da Folio Essais, chamada Écrits français, onde se encontram os consagrados ensaios: L’oeuvre de art à la époque de sa reprodution mecanisée (de 1936) e Paris, capitale du XIXème siècle (1939), em que ele dialoga com os interiores de Louis-Philippe, as ruas de Baudelaire, e as barricadas de Haussmann.

O bairro do 10ème, que está sendo revitalizado e recebe uma onda de bobôs, ainda guarda seu charme popular

Não há nada melhor do que andar por Paris em boa companhia e Benjamin se mostrou um bom companheiro de promenade. Caminho, ando e paro em alguns banquinhos, aproveitando o sol para termo-regular minha temperatura corporal e sentir o cheiro da primavera parisiense, em que todas as flores, árvores, bichos estão em plena explosão de vida. E, amanhã, Thiaguinho chega da Espanha para tomarmos uma cerveja de boa pressão em algum bistrot interessante. Quem sabe não descolamos os endereços de Manduka em Paris. Gostaria muito de ver o que ele viu quando viveu aqui nos anos 70.

Ontem, dei entrada na papelada da carte de séjour junto à École, que vai cuidar do processo junto à Prefecture de Police, que é quem concede os vistos. Quando ficar pronto o visto de pesquisador-convidado, já estarei provavelmente de volta ao Rio. Também conversei com o Mello, meu orientador, e ele concordou que é uma boa idéia estender por mais um mês minha estadia aqui. Pois, se de um lado, a burocracia se arrasta lentamente, como sempre, a pesquisa vai muito bem, obrigado. Este sábado, vou inaugurar meu trabalho com o pessoal da Commune Libre d’Aligre, ajudando a servir no jantar comunitário.

Os imensos outdoors nas estações de metrô de Paris

Sei que muita gente pensa que é uma moleza fazer uma pesquisa antropológica sobre um bairro parisiense para comparar com outro carioca. Ir ao café da esquina para observar as relações sociais entre os vizinhos, clientes, visitantes, comerciantes e tal. Mas, quando se está trabalhando de verdade, não se para de fazer anotações, mapas, traduções culturais e, no fim, é extremamente cansativo passar quatro, cinco horas num mesmo lugar para tentar perceber as nuances do cotidiano.

E, depois, mergulhar em leituras pesadas. É sociologia urbana na veia. É preciso fazer discussões de conceitos, e explicar suas opções teóricas e metodológicas. Sobretudo porque venho de uma linhagem que não é a mais convencional nas universidades brasileiras e francesas. E creio mesmo que, nesses tempos pós-modernos e globalizados, é preciso rever certos paradigmas que ficaram engessados no tempo e não dão mais conta de explicar satisfatoriamente certos fenômenos sociais.

Outra cena rara: um prédio com a fachada renovada. De qualquer modo, a idéia de pôr espelhos atenuou a mudança, pois reflete a vizinhança

Então, sentar-se sob o sol, num banquinho de praça, no bairro que é alvo de minha pesquisa, é duplamente lazer e trabalho. Por outro lado, sinto que vou sofrer ao voltar à rotina da redação, que tem seu tempo próprio e seus ritmos de intensidade e frouxidão. Já esqueci completamente o que é um pescoção, um plantão de fim de semana, o texto automatizado, mais noticioso e menos reflexivo. Mas, ao mesmo tempo, às vezes sinto falta dos parâmetros mentais que essa rotina me dá.

Bem, é isso. Coloco umas fotos que fiz das minhas perambulações pela cidade, já que o assunto é flanar por Paris. A bientôt!

2 comentários:

  1. Ah! Paulinho, adorei! Está em ótimas mãos com o Benjamin...

    bjs,
    Giovanna

    ResponderExcluir
  2. Sim, é verdade! Sigo minha orientadora... Bjs.

    ResponderExcluir