quarta-feira, 6 de abril de 2011

Mudança de marcha

Paris é uma cidade desenhada para se andar a pé ou de bicicleta: o pessoal paga 26 euros por ano por uma vaga nessas máguinas

Paris, 6 abril 2011. O ritmo das coisas aqui entrou numa espécie de “velocidade cruzeiro”, quer dizer, me sinto agora mais inserido no dia-a-dia de Paris, com minhas atividades cotidianas, meus afazeres, deveres e também um lazer já mais integrado ao das pessoas que vivem aqui. Já não sinto, como no início, o forte estranhamento que me fazia escrever neste caderno de campo diariamente e com sofreguidão. Agora, venho aqui numa média de dois em dois dias, com um balanço do que se passou nesse meio tempo, porque, na verdade, o tempo agora tem outra dimensão para mim, escorrendo mais lentamente.

Sacar isso é muito importante, pois não tinha percebido esse fenômeno, assim, dessa maneira vívida e internalizada. Quer dizer, o quanto a relação do tempo tem a ver com nossa inserção na sociedade onde vivemos. O tempo, o espaço, o corpo... o espírito, por que não? Já não me chamam a atenção as cores e os odores, os volumes construídos da cidade, o perfil arquitetônico das ruas, a indumentária dos parisienses nessa transição entre o inverno e a primavera. É como se eu tivesse morado em Paris toda minha vida e tudo me parece normal e “natural”.

Mas isso também abre outro canal de visualização. É como se tivesse trocado a lente teleobjetiva, que me permitia ver detalhes normalmente invisíveis para os habitantes daqui, por uma grande angular, que me obriga a me aproximar e a me inserir nas coisas. E se não há mais os detalhes do estranhamento, o que vejo agora vem impregnado de uma vivência compartilhada e, portanto, com um peso de realidade mais íntima, repartida entre os cidadãos que compartilham o mesmo espaço.

Nas proximidades da Place d'Italie, onde vivo atualmente

Engraçado que em seu livro, Franco La Cecla, que já mencionei aqui (Contre l’Architecture), afirma que hoje em dia o espaço das cidades é tão fragmentado que sua continuidade nos escapa, seu todo nos elude. Além disso, sob o peso da influência da arquitetura modernista de cunho racionalista, as metrópoles se prepararam para a pressa e a rapidez, como valores positivos. Mas a pressa é uma contradição com respeito ao habitar e um de seus efeitos imediatos são o esquecimento e a distração. No mundo marcadamente pós-moderno de hoje, as pessoas andam apressadas e mergulhadas em seus umbigos, mediante gadgets eletrônicos de última geração. Seguem, na pressa ultramoderna, seu cotidiano diluídas em suas identidades.

Quanto a mim, ontem mais cedo resolvi coisas de banco, tomei um café no Le Penty, para marcar presença no Marché d’Aligre, e fui estudar francês. Depois que saí da Alliance, fui à abertura da exposição sobre vudu, na Fundação Cartier. Interessante (voltarei a isso em outro momento). Depois, fui para a região da Place d’Italie, aproveitando o tempo bom e o calor, para tomar uma cerveja no La Folie em Tête, no quartier de Butte-aux-Cailles (me lembra muito o Greenwich Village nova-iorquino da época em que vivi na Big Apple).

Minha intenção era tomar um ou dois copos, observar o movimento do bar, que é bem interessante, e depois, em homenagem à Soraya (, recebi o documento, obrigadíssimo!) ir jantar no bar anarquista Le Temps des Cerises. Foi o que fiz, mas o Cerises estava lotado, de modo que acabei jantando em outro restaurante das imediações: Le Samson. Lá, comi de entrada fois gras com peras, pães e umas folhas de alface. Depois, um boeuf borguignon, que desmanchava no garfo de tão macio, com batatas cozidas e fatias de baguette para passar no molho. Caiu muito bem, especialmente porque a temperatura havia caído um pouco.

As estações de metrô de Paris estão sendo reformadas: vão eliminar o ofício de motorneiro (os trens serão dirigidos por robôs) e nas plataformas estão colocando essas portas para dificultar as tentativas de suicídio que, aqui, são constantes

Na véspera, segunda-feira, tirei o dia para trabalhar na pesquisa e resolver problemas burocráticos. Fui ao Le Penty e circulei pelo mercado, que não abre às segundas. A maioria das lojas do bairro também fecha (ótica, joalheria, bares, cafés, supermercados, entre outros). Só o Penty, o Kofe e o La Grille abrem. Depois, comecei a rascunhar o artigo que escreverei comparando Aligre e Botafogo, e reli o texto que o LeMetro elaborou para o colóquio que vamos fazer em homenagem à Jane Jacobs, no segundo semestre.

Mapa do meu campo de pesquisa no Marché d'Aligre. Falta fazer o mapa do mercado fechado

Infelizmente, esqueci de descarregar as fotos do Butte-aux-Cailles e das imediações da Place d’Italie. Coloco então outras imagens de Paris que fiz por esses dias. A bientôt!

2 comentários:

  1. paulinho, nesse post, sei lá porquê, me senti contigo em torno de uma mesinha, dando uns tragos. quanto a reforma do metrô, lille se orgulha de ter tido o primeiro metrô sem condutor. foi um engenheiro da universidade de lille 1 que "inventou a máquina". agora já poderei dizer: "eu conduzi o metrô linha 11!", numa noite animada de 2005, de Belleville à Republique!

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  2. Era tudo o que eu queria: estar compartilhando uma mesa aqui com vc. à la table chez madame Ips! Iria logo tomar um porre! Quanto ao metrô, isso está um saco, pois a linha 1 está fechando às 2h! Já imaginou?

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