quinta-feira, 28 de abril de 2011

Na reta final

Vários tipos de ostras são vendidas na parte coberta do mercado d'Aligre, mas as pessoas vão mesmo porque gostam de papear

Paris, 27 abril 2011. Estive fora de combate os últimos dias, derrubado por algo que jantei provavelmente numa brasserie suspeita, em frente à Gare du Nord. Também... corri risco ao pedir um confit de canard e um Côte du Rhone num lugar como esse. Vivi minha própria revolução interna, com o fígado querendo tomar o poder e mudar o regime. Ainda não estou cem por cento, evitando os temperos fortes de que gosto tanto. Marta acha que pode ter sido o almoço, num indiano não menos suspeito, à rue de Lappe, na Bastille. Ou foi simplesmente o corpo começando a cobrar tantos excessos gastronômicos.

Mesmo combalido, mantive o ritmo duro de trabalho na pesquisa. Fui à Maison des Ensembles em busca de imagens antigas do 12ème; fiz um primeiro contato com o Foyer de imigrantes do quartier d’Aligre e sua associação, a Aftam Paris; e comecei a organizar minhas anotações e dados, que são muitos. Uma pena que a Capes rejeitou meu pedido para prorrogar o período de bolsa por mais um mês, pois esses 30 dias a mais seriam o tempo exato para fechar a pesquisa de forma redonda e completa.

Uma espécie de armazém de coisas interessantes, inclusive muitas variedades de cervejas

E, ontem, soube que Idriss foi agredido ao filmar uma passeata em defesa de Gbagbo (o pessoal da Costa do Marfim pronuncia Babô). Sucede que o sobrenome de Idriss indica sua etnia e sua origem geográfica, que é a mesma de Alassane Quattara. Quando a turba encolerizada descobriu que ele se chamava Diabaté, os mais afoitos, uns seis ou sete, reagiram imediatamente e o atacaram, destruindo a câmera de sua produtora. Não fosse a intervenção da polícia, ele teria sido linchado em plena Paris. E se isso tivesse ocorrido na Costa do Marfim, ele seria mais um número nos milhares de mortos neste conflito, que começou político e acirrou o ódio étnico.

Hoje, depois do trabalho de campo, fui ao impressionante Musée du Quai Branly para ver uma enorme exposição etnológica sobre os Dogon, ou melhor sobre suas peças, estatuetas, máscaras, instrumentos etc. A visita faz parte de uma pauta que preparo para o Prosa & Verso, em que vou discutir a questão da chamada “arte primitiva”, relacionando essa exposição (e outras) com a do vudu, que está sendo apresentada no Instituto Cartier. Depois, não satisfeito, ainda assisti três documentários etnográficos na não menos impressionante Cité Nationale de l’Histoire de l’Imigration: um palácio todo esculpido com motivos de imigração e populações de todo o mundo.

O jardim comunitário do bairro, o Aligresse, administrado pelo pessoal da Commune Libre d'Aligre

Os três documentários foram reunidos por Brice Ahounou, que me foi apresentado por Idriss na visita ao bairro do Goutte-d’Or, na semana passada, e Brice me convidou por email. O primeiro filme, chamado Les rites d’eau, de Helène Migerel, antropóloga e psicanalista, foi o que gostei menos como documentário, embora a discussão que ela abordou — o uso dos ritos para suprimir uma noção explícita de culpa — seja bastante rica. O documentário foi feito em Guadalupe, em 2002. O segundo, mais intenso, se chama Voir l’Invisible, une initiation au Bwete Misoko. Foi feito no Gabão, em 2003, por Julien Bonhomme. Mas o meu preferido foi o terceiro e mais longo: Le souffle de la forêt, de Jean-Claude Cheyssial, também feito no Gabão, mas em 1998. Nos três é perceptível a influência de Jean Rouch. Após a apresentação rolou um debate com os três diretores mediado por Brice, mas não pude ficar.

Idriss (de chapeu) e Brice, na semana passada no Institut des Cultures d'Islam, no bairro do Goutte-d'Or

É isso. E assim, minha jornada neste mundo racionalista, berço de émile Durkheim e Marcel Mauss, vai chegando ao fim. Vejamos o que me reservam esses últimos dias. Como hoje saí sem câmera, coloco outras fotos que andei fazendo do Marché d'Aligre por esses dias. À bientôt!

5 comentários:

  1. Vivendo intensamente uma Paris que poucos têm o privilégio de conhecer! Te aguardo no Prosa e Verso. Até lá, guri, cuida da saúde!
    Beijos.
    Maria Cristina Valente

    ResponderExcluir
  2. pois é... de volta à ciilização tropical! Vamos tomar um chope, não?

    ResponderExcluir