sexta-feira, 15 de abril de 2011

Revolução e boemia em Paris

A turma de alunos da Alliance em Paris: só maluco, tocando sua banda imaginária, a começar pela professora no centro

Paris, 15 abril 2011. Nos últimos dias, a temperatura deu uma caída, oscilando entre 4 e 14 graus. Voltei aos casacões, depois de uma semana inteira só com pullover. Essa época é de muita oscilação, já haviam me prevenido. É sempre importante consultar o tempo antes de sair de casa e decidir que tipo de roupa vestir. Sobretudo no meu caso que saio de casa às 8 e pouco da manhã e só retorno depois das 22h. Nesse período, o tempo pode variar mais de dez graus nessa época de primavera, em que a temperatura permanece indecisa entre o inverno e o verão. Pelo menos não tem chovido. O sol brilha todos os dias (e às vezes engana: saímos de casa pensando que está calor e... necas).

Ontem foi minha última aula na Alliance. Gostei muito da turma, especialmente de Carmen, uma espanhola espoleta, que está fazendo uma pós-graduação aqui em Direito; Tereza, uma jovem tcheca, que faz doutorado em Geografia Humana e é meio punk no vestir e no comportamento. Tem ainda Kazerina, uma freira polonesa; Erin e Caroline, duas americanas; Akira, um japonês que parece um monge, com uma barba longa como daqueles personagens de filme de kung fu; Emily, australiana. Entre outros. Mas a pessoa realmente sensacional é Arnaude, a professora, que é uma figura singular, inteligente e excelente profissional. Além de tudo, ela freqüenta o Marché d’Aligre, onde já nos encontramos uma vez.

A região do Butte-aux-Cailles, reduto boêmio perto da Place d'Italie

Quanto à pesquisa, deixo o corpo e a mente correrem com a maré. Agora que o efeito do déplacement perde sua força à medida que vou pertencendo cada vez mais ao lugar, é hora de aprofundar os contatos. Trocar um pouco a observação pela conversação. Lá no Penty, já me tornei um habitué, a ponto de Jojo (pronuncia-se Juju), o patron, me tratar com jocosidade e uma simpatia mais íntima. Aliás, com exceção do Café de L’Industrie, que tem um clima mais rotativo, como o Capela, por exemplo, os demais bistrots que ando freqüentando por aqui têm sua turma de regulars, que vão todos os dias. É impressionante, como batem ponto nos bares, nem que seja para um café rápido antes de ir para casa. Assim, quando começamos a ir com freqüência a um café de proximidade, logo nos tornamos conhecidos dos donos e dos demais habitués.

Tenho ido com relativa freqüência, antes de voltar para casa, ao La Folie em Tête para um chope, antes de me enfurnar na minha chambre na Place d’Italie. Assim, vejo o movimento em torno da região do Butte-aux-Cailles, onde perambula uma boemia classe média parisiense; dou umas flertadas para aquecer o coração e jogo conversa fora para praticar o francês, dar tratos à bola dos dados etnográficos que vou recolhendo no campo.

Jovens na Pont des Arts, onde os apaixonados colocam cadeados no alambrado para proteger suas relações amorosas: racionalidade francesa no século XXI?

A passagem do Orlando me deu o que pensar. Ele, que vive em Londres há muitos anos, me falou sobre o ataque dos governos da União Européia ao Estado de bem estar social para conter os déficits fiscais dos governos, especialmente depois das crises que abalaram o euro a partir de Grécia, Irlanda, Portugal e tal. Medidas duras de cortes fiscais atingem em cheio os programas sociais e pioram as condições de vida das pessoas, sobretudo no que se refere ao emprego e à moradia.

A Europa inteira está mergulhada numa crise que vai bem além dos fundamentos econômicos. É o epicentro do impasse mais recente do atual estágio do capitalismo globalizado. Um estágio em que os bancos e as empresas vão muito bem, obrigado, com lucros crescentes e ganhos financeiros difíceis de lastrear par rapport à realidade; já as pessoas vão de mal a pior, com salários achatados, desemprego, falta de moradia etc e tal. O processo de gentrification que estou estudando, no Rio e em Paris, é um fenômeno que se insere neste contexto maior. E acho que a melhor forma de pensar criticamente esse fenômeno é examinando não apenas os grandes planos macroeconômicos, mas a vida das pessoas no seu cotidiano e proximidade.

Meio borrado, mas vá lá: outa imagem do La Folie, onde parei para um chope antes de me recolher: saudade de uma boemia que n'existe plus

Entender a cidade a partir de uma noção de ecologia urbana, em que as transformações do tecido social, as mudanças da morfologia dos bairros, a substituição de populações, as bobotizações, gentrifications, aburguesamentos, ou, ao contrário, favelizações, guethorizações e formações squatts, invasões e ocupações por sem-teto são parte de um processo interligado. Entender o micro e o macro a partir das situações é o caminho para reformular uma crítica social e apresentar projetos viáveis de melhoria de vida, sem ter que recorrer a velhos paradigmas que se esgotaram na História.

2 comentários:

  1. justamente por isso celebramos os 50 anos do estudo da SAGMACS. Lebret era um cara da pesada, e desconhecido dos franceses. Talvez porque estava sempre no campo, mesmo. Líbano, Brasil e Senegal o conhecem muito bem.

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  2. Exatamente, Ips! E seguimos agora com a Jane Jacobs, outra personagem singular na história das idéias e ações pela melhoria da vida cotidiana das pessoas. Cada dia sinto mais uma enorme pena por vc não está aqui comigo compartilhando essa conversa-convivência! Bjs.

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