segunda-feira, 7 de março de 2011

Domingo de feira e folia

A feira e, ao fundo, os bobôs:: um retrato do Marché d'Aligre

Paris, 7 março 2011. Bem, vamos por partes. O domingo foi intenso. Começou com um café tranqüilo que se estendeu por toda a manhã. Mas o dia estava lindo. Céu azul e relativamente quente, uns 9 ou 10 graus, a linda luz chamando para a rua. Eu, Marta e Ruben fomos à feira no Marché d’Aligre. Aproveitei para fotografar o mercado externo e o mercado coberto. Também fotografei os bobôs tomando seu café nos bistrots das esquinas do bairro. Foram muitas fotos. Elas me serão úteis na etnografia do bairro. A presença árabe e africana em contraste com os bobôs que chegam e vão ocupando e aburguesando o bairro. Já há algumas áreas em relação às quais Ruben se referiu como “bobolândia”, outro neologismo fantástico. São esses pequenos momentos de, digamos, gestalt que tornam o trabalho do antropólogo emocionante, quando, por exemplo, uma palavra é capaz de expressar todo um conceito sociológico, mas ao mesmo ela é meio selvagem, vem de uma categoria nativa, recheada de fortes sentimos.

No mercado coberto, do século XVIII, seções especializadas por mercadorias

A feira d’Aligre é como qualquer feira em qualquer lugar do mundo. Os barraqueiros fazendo o pregão de suas mercadorias (queria ter gravado, a sonoridade do mercado parisiense é bem legal), os clientes manuseando as mercadorias, testando, experimentando. Em alguns momentos parecia que estava na feira que tem lá perto de casa, em Botafogo. O visual, o gestual, as cores, os aromas, o caos aparente (no meio da bagunça, na verdade, existe uma rígida organização), mas tudo em francês. Francês rústico, popular, gritado: “Allons-y! Allons-y!” Também se ouve muito árabe, sobretudo quando os comerciantes falam entre si. Soube que, depois da feira, eles trocam mercadorias e fazem uma espécie de almoço, mas não consegui ver isso ainda.

O mercado fechado d'Aligre foi originalmente um orfanato de crianças abandonadas

No mercado fechado, a coisa é mais solene. A arquitetura e a ambiência dão ao lugar um ar antigo e sério. Mas é um mercado como outro qualquer, dividido por seções variadas e específicas. O mercado interno é o melhor lugar para comprar queijos, carnes especiais (foi lá que comprei o poulet fermier para fazer o frango ao curry — que, por sinal, foi um sucesso!), temperos, ervas e coisas assim. Em todo bairro também muitas lojas, como padarias, peixarias, ervanários, cavistas (o lugar mais recomendado para se comprar bons vinhos), supermercados, além de cafés e bistrots. Com a chegada dos bobôs, também estão abrindo lojas sofisticadas de móveis, livrarias com café, butiques, cadeias como Stardust e por aí vai.

As mulatas do Brasil abriram o desfile do carnaval parisiense

Num domingo ensolarado e não tão frio, os moradores bobôs do bairro lotam os cafés e bares. Sentam-se às calçadas olhando o movimento da feira, os personagens “autênticos”, que são os antigos moradores, as primeiras gerações de árabes e magrebinos do Norte da África, os operários que, aos poucos, vão deixando o bairro, expulsos pelo aumento de preços e pela valorização do custo dos imóveis (aluguéis e compra). Estes frequentam botequins mais pés-sujos, onde se apostam em corridas de cavalo, a maioria magrebina, mas bons bares. Apesar da proximidade física, há uma enorme distância simbólica entre os dois grupos. São universos muito distintos. Talvez mais ainda distante do que a turma do Vavá e da Adelina, em Botafogo, e os moradores que estão chegando nos novos condomínios. É preciso observar melhor esse fenômeno.

Bem, mas depois da feira e do mercado, voltamos para casa, onde almoçamos uma salada verde, baguettes e queijos duros especiais da região de Cantal, Etorkie e Pont-L’Evêque. Consegui um mapinha com as "apelações" dos queijos, como dizem por aqui, por região da França. Acompanhou um tinto leve. Já experimentei vários. No jantar da véspera, nós havíamos acendido a lareira, onde fizemos uma lingüiça e morcela na brasa, com legumes. É por isso que perco peso, apesar de tanta comida: as combinações são boas, as quantidades reduzidas e, depois, quilômetros e quilômetros de caminhada. A calça está caindo...

Após o almoço, encontramos um casal amigo de Marta e Ruben e seu filhote, para irmos juntos ao carnaval, que desceu de Belleville ao Hotel de Ville. Foi muito, muito interessante, embora a batucada brasileira fosse um tanto dura, sem suingue. Mas o pessoal se esforça. E, além disso, o desfile não é só brasileiro. Tem várias seções, mexicana, guatemalteca, francesa, oriental etc. É um desfile extenso, com todo tipo de batuque e ritmo. Mas é o Brasil que abre a parada, com nossas bravas mulatas rebolando para encantamento dos europeus. As fantasias são sensacionais e muita gente aproveita para protestar, como o pessoal do Marché d’Aligre, que se manifestou contra a instalação de câmeras de vigilância na cidade. Mas também havia gente pedindo a legalização dos sans-papiers, os imigrantes ilegais.

Muita gente fantasiada, e representações de outras nacionalidades: um carnaval multinacional

À noite, para encerra o dia extenso, fui me encontrar com dois amigos antropólogos brasileiros que estavam passando o fim de semana em Paris. Eles estão em missão de trabalho em Portugal. Bons papos para encerrar o dia. Hoje, começa a semana e terei meu primeiro dia na Aliança. Vamos em frente.

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