quinta-feira, 24 de março de 2011

Diretamente do Starbucks Bastille

Paris, 24 março 2011. Na nova residência onde me escondo em Paris, ainda não tenho acesso à internet, o que torna um pouco mais complicado atualizar o diário de campo. Estou fazendo isso de um Starbucks na Bastille, onde comprei por 2 euros um crédito de duas horas e estou usando o laptop na bateria. Também ainda não tive oportunidade de fotografar a nova casa (não vale muito a pena) para mostrar pelo menos o quarto. Ainda estou me adaptando às mudanças.

Mas estou trabalhando bem na pesquisa. Ontem estive pela primeira vez no café associativo da Commune Libre d'Aligre, conhecendo as pessoas. Todos muito simpáticos. Fiquei de voltar e me integrar às atividades lá. Também aproveitei para observar melhor o comércio em torno do bairro e sua relação com os moradores. É muito interessante e acho que possibilitará fazer bons contrastes com o caso de Botafogo. Preciso falar urgentemente com o Leo Feijó!

Bem, mais detalhes depois. Aproveito para reproduzir abaixo o texto que coloquei hoje no meu blog, digamos, oficial: o Pendura Essa (link no pé dessa página). A bientôt!

A retórica das ruas


Quando se olha os bairros e as ruas com olhos de estrangeiro, salta aos olhos a sua narrativa. Não me refiro à retórica de arquitetos e urbanistas; do Poder público, das agências turísticas e outras instituições da cidade; mas aos sonhos das pessoas, que emergem no uso e compartilhamento cotidiano dos espaços; na intimidade que se desenrola no lar e na vizinhança. A rua nos conta um dedo prosa ao dobrarmos a esquina, ao repararmos na forma como se distribuem, por exemplo, os equipamentos públicos, dos hidrantes às praças.

O comércio de rua é sempre um sinal eloqüente de vitalidade. Quanto maior for a sua presença, mais visível será a vida ali: A forma e o display das mercadorias, os gritos dos comerciantes, fazendo o pregão de suas mercadorias, o entre e sai de fregueses e clientes, o olhar compartilhado e informal sobre a rua, vigiando sua normalidade trivial. As cores, os aromas, os desenhos dos prédios: haverá harmonia ou será um discurso caótico e confuso?

Caminhando por Paris nesta temporada, me dou conta de que estou lendo um novo livro. Um livro em outro idioma, que vou aprendendo à medida que viro suas páginas. Aos poucos, o enredo vai fazendo sentido. Percebo sua vitalidade, mas também as pressões por mudanças que se impõem sobre ela e que são comuns a todas as grandes metrópoles do mundo, que competem entre si pelo prestígio, pelos turistas e por altos negócios.

Há um discurso urbanístico comum, uma retórica da modernização das cidades, da racionalização dos espaços. Um discurso imobiliário que se adéqua muito bem à globalização (já ouvi a expressão urbanismo neoliberal). Desde Barcelona, por exemplo, todas as grandes metrópoles, inclusive o Rio, querem renovar seus portos, transformando os velhos galpões em museus de escritórios de arquitetura renomados e áreas de lazer e de condomínios de luxo.



Enquanto Paris protege seu patrimônio cultural e urbanístico, cidades como o Rio botam tudo abaixo em nome da modernidade. É compreensível, pois as pressões são vigorosas. Mesmo na capital francesa são perceptíveis mudanças que tornaram bairros irreconhecíveis. E há quem sustente esses movimentos com fervor quase religioso, sobretudo arquitetos. Ontem li um artigo no New York Times em que o autor, um arquiteto, recuperava a figura de Robert Moses, como um grande empreendedor e visionário de Manhattan. Segundo ele, Moses tem sido injustiçado ao ser lembrado como o homem que destruiu boa parte de Nova York. Segundo o autor, esses que o atacam são pseudos defensores do patrimônio histórico e da memória urbanística da cidade. Ora, vá perguntar aos moradores que foram removidos, expulsos o que eles pensam de Moses.



Enfim, o problema é exatamente esse. A população diretamente afetada nunca tem voz nas decisões dessa natureza. Muitos arquitetos são extremamente arrogantes quando o assunto é a cidade, como se só eles tivessem autoridade para falar sobre o quê construir e como. Na maioria das vezes, infelizmente, eles mal lêem a narrativa das esquinas, os enredos da intimidade à qual se tem acesso pelas escadas dos prédios antigo, pelos halls e pátios internos. Aos labirintos que as ruas de certos bairros formam, lembrando as cidades medievais e por aí vai.

6 comentários:

  1. Paulinho, vc já leu As passagens, do Benjamin? Tem tudo a ver.
    Giovanna

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  2. Não, Gio, vou procurar. Também me falaram de um texto do Ohran Pamuk, em francês, D'autres coleurs. Não sabia que o Pamuk tinha largado a arquitetura para se tornar escritor, justamente porque não, como arquiteto não conseguia perceber a alma das cidades, só na literatura... Bjs.

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  3. Paulinho, eu ganhei de aniversário, em Lille, um livro fantástico do Pamuk, talvez sua obra-prima: Istanbul: souvenirs d'une ville. Compre correndo. Até hoje sonho com certas imagens.

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  4. Pois é, em português tenho "a mala do meu pai" ou algo assim. Ele é um escritor de mão cheia.

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  5. Acho, modestamente, que pra compreender essa história meio flaneur da França vc poderia dar uma olhada no Benjamin,no Baudelaire (ele tem um ensaio lindo sobre isso, "o pintor da vida moderna"), e no Nadja, do André Breton. acho que tem tudo a ver com uma Paris andante.
    Giovanna

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  6. Obrigadíssimo, Gio. Vou olhar. Aliás, é uma falha grave não conhecer esses textos ainda, não é mesmo? Beijo.

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