sábado, 19 de março de 2011

Ulf Hannerz em Nanterre

Além da exposição sobre canibalismo, a Maison Rouge também está apresentando o trabalho de Chiharu Shiota, chamado Home of Memory

Paris, 19 março 2011. Ontem foi uma sexta-feira gelada, com a temperatura em torno dos 6 graus, com chuva e vento. Voltou a esfriar em Paris, depois de uma semana de tempo agradável e sol. Todos aqui me disseram que isso é normal. Na primavera, a temperatura oscila muito em toda a França. Mesmo assim, a sexta-feira foi extremamente proveitosa. De manhã voltei pela terceira vez à Maison Rouge, dessa vez para fotografar algumas peças da exposição sobre canibalismo para enviar para o Globo. Na recepção já havia um crachá para mim, fruto da negociação com a assessora de imprensa da Maison. Pude trabalhar à vontade, embora a luz fosse um problema para algumas das peças.

Terminei essa tarefa lá por 13h30, portanto, hora do almoço. Circulei por ali, nas imediações da Gare de Lyon, que faz conexões com os aeroportos, as linhas RER e é uma área de viajantes, cheia de turistas e estrangeiros que se preparam para embarcar ou acabaram de chegar e, portanto, cheia de brasseries e cafés, mas nenhum verdadeiramente interessante e quase todos muito caros. Procurei, procurei e acabei achando um relativamente pequeno (em comparação aos vizinhos) restaurante, chamado Café de Lyon. Nada especial, mas tinha uma cara mais aconchegante e certa alma.

Pedi de entrada uma salada com patê de pato e, como prato principal, um steak tartar com fritas, ambos bastante saborosos. Meia garrafa de um tinto rascante e, de sobremesa, creme brulé, porque era sexta-feira e ainda tinha muita atividade pela frente. Foi caro. Tudo deu perto de 40 euros. Mas foi uma extravagância.

E também essa outra peça, de Stéphane Thidet, La vie sauvage

Estômago forrado, fui à Gare de Lyon para pegar o RER e me mandar para Nanterre, na Universidade de Paris X, onde nada mais nada menos o antropólogo Ulf Hannerz (para quem não sabe, ele escreveu um clássico da antropologia urbana: Explorando a cidade, entre outras obras importantes) ia proferir uma palestra sobre a “complexidade cultural”, tema de um livro seu com mais de dez anos e que, só agora, foi traduzido para o francês.

O RER é um trem que faz ligação com as banlieues de Paris. Agora, a compra de ticket é toda automática, feita em terminais eletrônicos. Outra coisa que está se tornando automática são os trens do metrô. Estão eliminando o ofício de motorneiro. Já há linhas que são dirigidas totalmente por robôs. O pessoal diz que é uma forma de evitar transtorno nas greves, que são constantes por aqui. Seja como for, o desemprego cresce e tudo se automatiza. É a modernidade, dizem.

O anfiteatro de Nanterre, onde rolou a palestra, com, a partir da esquerda, Pedro García Sanchez, Alain Battegay, Ulf Hannerz, o tradutor, e Anne Raulin

A Universidade de Nanterre, por sua vez, é bem simpática. O seu campus me lembrou o da UFF, no Gragoatá, e também o campus da Escuela de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba. Um amplo campo aberto, com blocos de edifícios onde funcionam as variadas disciplinas. Acabei chegando cedo e consegui um bom lugar no anfiteatro do bloco B. À mesa, além do Hannerz, estavam Pedro García Sanchez, que introduziu o convidado em nome do Departamento de Sociologia; Anne Raulin, colega do Departamento; e Alain Battegay, sociólogo do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e diretor da coleção editorial Cultures Publiques et Mondes Urbaines, uma figura (também uma autoridade no campo das ciências sociais).

Mas a estrela da noite mesmo foi o tradutor, pois Hannerz não fala francês e sua palestra foi toda em inglês. O sujeito era de fato um virtuoso. Não só ele não perdia nada (e olha que essas palestras são cheias de conceitos sutis), como falava numa velocidade impressionante, até mesmo para os franceses. Mas fiquei feliz porque consegui compreender bem as coisas (claro, depois de ouvido em inglês primeiro...). Fiquei impressionado também com a estrutura do anfiteatro. Cada assento tem um microfone para que o público possa participar do debate. E assim foi. Casa lotada, estudantes e outros professores, o evento durou umas três horas. Estava exausto no fim.

No fim, fomos todos de RER de volta à Paris, para um pequeno bistrot, perto da estação Stalingrad, no 19eme. Estávamos lá, eu, Hannerz, Battegay, Raulin e Pedro, além da antropóloga Roselyne de Villanova e mais dois doutorandos de Nanterre. O bistrot, escolhido por Pedro, era extremamente charmoso e mesmo caloroso, com o proprietário circulando entre as mesas, simpático, explicando os menus. Estava lotado, com as mesas bem apertadas, vários casacos pendurados, aquela luz amarelada típica dos bistrots parisienses, com quadros de personalidades nas paredes.

No café, a partir da esquerda, Pedro, Hannerz, Battegay e Raulin

Extrapolei. Comi uma entrada de arenque (deu saudade dos rollmops da Adega Pérola) com salada, depois um filé ao ponto, com batatas coradas num molho de mostarda e, ai, ai, um creme brulé de sobremesa... Sem comentários. Foram várias garrafas de Bordeaux (2007) e muita conversa inteligente. Discuti meu campo de pesquisa em Paris e todos ficaram curiosos em relação ao tipo de contraste pode surgir dessa comparação entre o Marché d’Aligre e Botafogo. Eu também!

A volta foi um pouco complexa. Um trem pegou fogo e a estação foi fechada. Tive que buscar outra linha. Acabei descendo na Nation e caminhei pelo bouvelard Diderot até minha rua (uns 15 minutos) no frio da meia-noite, mas feliz. É isso. A bientot!

4 comentários:

  1. Muito feliz, sem dúvidas! Excelentes engajamentos surgindo heim! Que maravilha, Parabéns! Essa comparação vai dar pano para manga.

    ResponderExcluir
  2. Pois é, Iara, já imaginou, jantar com o Hannerz e o Battegay na mesma mesa? E vc? Quando vai fazer seu séjour parisiense? Beijo!

    ResponderExcluir
  3. PT, estou seguindo e adorando todas as novidades. Mas cá entre nós: essa obra da primeira fotografia me fez sentir uma formiguinha no meio de uma genitália...

    ResponderExcluir
  4. Sei como é, Ips. Agora imagine entrando lá e dando uma volta pelo universo da memória do Shiota... E depois de ter passado por toda a comilança da exposição sobre o canibalismo.

    ResponderExcluir